Terapia de Casal

Reflexões sobre Terapia de Casal

A terapia com casais é das intervenções terapêuticas  mais exigentes e difíceis. Nenhum outro tipo de terapia exige tanta capacidade de improvisação como trabalhar com casais. Às vezes porque a teoria ainda não se encaixa e ainda não há um rumo definido, outras vezes porque há um rumo claro a seguir mas alguém decide mudar de direcção a meio do caminho ou já a chegar ao porto. E o terapeuta redefine a trajetória e ajusta os lemes e rema um pouco e volta a mudar. E tudo corre bem até ser preciso mudar de novo. Um ciclo que se prolonga até chegar a um porto seguro.  

E criar uma boa relação terapêutica com um indivíduo já é complexo, imagene-se com dois. Com a agravante de que o que traz as pessoas à terapia são problemas de relacionamento e,  invariavelmente, a relação terapêutica vai-se construindo em areias movediças. Então o terapeuta tem de ser forte sem ser distante, firme sem ser duro, doce sem ser permissivo, mudar o rumo do barco sem o dirigir.  É saber lidar com o paradoxo, com os extremos opostos, até haver espaço na relação para ver o que poderá estar a meio do caminho. 

Nenhum outro tipo de terapia exige tanta tolerância para a incerteza e a imprevisibilidade. Um dia o casal chega a sorrir de mãos dadas, outro dia chega com os papéis de divórcio na mão. Um dia o casal pede ferramentas e depois diz que não as usa. E às vezes a incerteza surge quando não há um rumo certo ainda e temos de andar à deriva algum tempo para descobrir todos os caminhos possíveis. Às vezes um casal anda à deriva durante anos e depois espera chegar à sala de terapia e encontrar logo o rumo. Curioso isso.

Em nenhum outro tipo de terapia, o terapeuta vive tanto no pêndulo da esperança e do desalento. Porque às vezes a esperança não anda de mãos dadas e o sonho de um é o desalento do outro. E quando uma pessoa do casal está na sombra tenta puxar o terapeuta para o abismo. É natural – quando se tem medo do escuro, precisamos de luz. 

E nenhum outro tipo de terapia é preciso manobrar tão bem a velocidade e o ritmo de uma sessão. A maioria dos casais chega em crise e o terapeuta tem de desacelerar o turbilhão. E já se sabe o que acontece quando travamos um comboio a toda a velocidade – não trava logo e anda aos soluços e aos guinchos até parar. E o terapeuta leva com as faíscas das rodas quentes nos carris.  

Em nenhum outro tipo de terapia é preciso lidar com tantas escolhas. São várias cabeças a pensar, várias decisões. O terapeuta escolhe e pode achar que não foi a decisão acertada. Mas quando o casal ou uma pessoa escolhe, o terapeuta não tem de se pronunciar. As escolhas dos casais, certas ou erradas, são deles. O casal quer estar junto ou separado e isso basta.

E em nenhum tipo de terapia é preciso perceber tanto sobre a linguagem das palavras e a linguagem do corpo, sobre o silêncio e as pausas, e sobre as emoções. Há palavras ditas que acariciam e outras que ferem. Há silêncios que abraçam e silêncios que distanciam. Há alturas em que as palavras não chegam e só o toque consegue sossegar. Há coisas que se dizem que o corpo desdiz. E as emoções, ditas ou não ditas, andam no ar e pertencem a todos. E a tarefa do terapeuta não é só expressar empatia pela emoção que se sente na sala, mas é desmascarar e trazer à tona as emoções que não são expressas, as emoções difíceis e silenciosas que corroem a alma. Com a certeza de que as emoções mais dolorosas são também passageiras. 

Nenhum outro tipo de terapia põe tão a descoberto a estranheza humana, como um quadro de Paula Rego – grotesco e belo. Há uma dupla estranheza numa díade. Mesmo quando as pessoas estão desencontradas, há uma cumplicidade estranha no casal que guarda segredos e faz pactos. E quando uma pessoa desiste, o outro pode discordar mas desiste também. E a estranheza maior é que há uma força invisível que puxa o ser humano para um padrão que soa familiar, ainda que doloroso ou disfuncional, e que os traumas se repetem mesmo depois de se prometer distância. 

E em nenhum outro tipo de terapia o terapeuta tem se mover tanto entre o passado, o presente e o futuro, e entre tantas histórias. Porque para entender o presente, temos de ir ao passado da família e para conceber um futuro simpático é preciso melhorar o presente. Por isso, perceber a relação do casal é perceber a relação dos pais de cada um, é ir às origens mas sem lá ficar muito tempo, porque a realidade é agora. Ouço muitas vezes os casais e as pessoas falarem do medo de abrir e de não conseguir fechar a caixa de Pandora, como se os fantasmas e os monstros não estivessem já acordados ou à solta. A caixa está sempre aberta; às vezes tem uma fenda pequena que verte um pouco, outras vezes tem uma cratera que jorra lava.

Mas também nenhum outro tipo de terapia pode ajudar tantas vidas como a Terapia de Casal. Quem vê crianças e jovens em terapia sabe que trabalhar com os pais ou os casais é a melhor forma de ajudar a família; que não há casa com harmonia quando o casal está desalinhado; e que quando o casal arruma as ideias, a casa fica arrumada. E é essa certeza que dá coragem a todos na sala de terapia para ganhar fôlego e seguir em frente.